sabato 17 gennaio 2015

Poesia para Cuidar dos vivos, Fernando Assis Pacheco


Poeta no supermercado


1.
 
Indignar-me é o meu signo diário.
Abrir janelas.
Caminhar sobre espadas.
Parar a meio de uma página,
erguer-me da cadeira, indignar-me
é o meu signo diário.
 
Há países em que se espera
que o homem deixe crescer as patas
da frente, e coma erva, e leve
uma canga minhota como os bois.
E há poetas que perdoam. Desliza
o mundo, sempre estão bem com ele.
Ou não se apercebem: tanta coisa
para olhar em tão pouco tempo,
a vida tão fugaz, e tanta morte...
Mas a comida esbarra contra os dentes,
digo-vos que um dia acabareis tremendo,
teimar, correr, suar, quebrar os vidros
(indignar-me) é o meu signo diário.
 
2.
 
Um homem tem que viver.
E tu vê lá não te fiques
- um homem tem que viver
com um pé na Primavera.
 
Tem que viver
cheio de luz. Saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
cantará coisas, irá nadando
por dentro da sua alegria.
 
Cheio de luz - como um sol,
beberá na boca da amada.
Fará um filho.
Versos.
Será assaltado pelo mundo.
Caminhará no meio dos desastres,
no meio de mistérios e imprecisões.
Engolirá fogo.
 
Palavra, um homem tem que ser
prodigioso.
Porque é arriscado ser-se um homem.
É tão difícil, é
(com a precariedade de todos os nomes)
o começo apenas.
 
 
Fernando Assis Pacheco (1968) Cuidar dos Vivos, Coimbra : Cancioneiro Vértice; re-publicado em A Musa Irregular (2006) Assírio & Alvim.

1 commento:

  1. Força e paciência me rendem estes versos, enquanto meus solados calçados me sustentam os joelhos à não se dobrar. Seguimos!


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