sabato 17 gennaio 2015

Poemas de guerra, Fernando Assis Pacheco

Monólogo e explicação

Mas não puxei atrás a culatra, não
limpei o óleo do cano,
dizem que a guerra mata: a minha
desfez-me logo à chegada.

Não houve pois cercos, balas
que demovessem este forçado.
Viram-no à mesa com grandes livros,
com grandes copos, grandes mãos aterradas.

Viram-no mijar à noite nas tábuas
ou nas poucas ervas meio rapadas.
Olhar os morros, como se entendesse
o seu torpor de terra plácida.

Folheando uns papéis que sobraram
lembra-se agora de haver muito frio.
Dizem que a guerra passa: esta minha
passou-me para os ossos e não sai.



Morro do Aragão

Encosto a cabeça a um pneu / acendo
o cigarro / passarão anos sobre esta
lembrança entontecida.
Amanhã dormirei? /
foi agora que a morte / o
sono dentro da cabeça /
este pneu sobre a lama.

Luzes de Nambuangongo
ao longe, amanhã estarei               
deitado no meu catre.

As cartas enlouquecem / casa, pai!
Foi agora que as luzes. O sono,
o pneu / o cigarro sujo.

Pacheco. O. K.? A mão pesada
dentro do bolso / o sono                    
sobre o pneu.
Noite, noite entontecida.

Passarão anos, nascerão filhos
muito antes que eu esqueça.
O. K., O. K. / rio de trevas.



Umas cobras

Vindima, areia no rio?
Não me escrevam.

Deito-me com cobras.
Enrolam-se. Eu masmorro-me.
Deixem as cartas para outra altura.

Escrevam: nada.
Responderei coiso: nada.
Elas mostram a língua.
Vêm muito devagar,
caem nos rios
com um baque inesperado.
Mijou-se. Era eu.

Escrevam postais
apenas: sim, bem,
Julho.

Vou defender-me.



Vibrato

Rir muito. Por exemplo de manhã
ao lavar os dentes.
Por exemplo quando te perguntam
«gosta» e tu respondes
«se é da guerra, mas?» e alguém
do lado sempre insiste

«gosta, gosta» e por exemplo.
Vir até à porta, ver a vista,
rir muito.
Por exemplo de noite depois do
brândi que deixa cair pelas goelas
essa lama (e tu respondes:) pedra.

Então, se te perguntam, vais deitar-te,
olhar a escova, palpar o tubo
de pasta com que ao outro dia
de manhã (os dentes)
por exemplo. É o sol, rir muito,
deves rir muito, e de contínuo,
rir em flauta: o vibrato
correctamente feito
lá em baixo no diafragma.

Um dia tu aprendes.





Fernando Assis Pacheco (1976) Catalabanza Quilolo e Volta, Coimbra: Nosso Tempo, p. 15, 22, 33, 38 (poemas previamente publicados em 1972, sob o disfarce vietnamita de Câu Kiên: um resumo, Lisboa, edição de autor)


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