domenica 23 novembre 2014

Desperado, de Rui Costa

O índio não percebe o cowboy e o cowboy não percebe a mãe. A mãe do cowboy é católica, fala para dentro, tem dentes de cereja que as visitas engolem com os olhos, como crianças tolas com as mãos todas que merecem. A mãe é católica mas nunca se queixa porque gosta de índios e cowboys, propendendo igualmente a um pequenino gozo com a incomodidade que o progresso recicla. Não lava as mãos, coça a barriga, pensa noutra coisa quando lhe destróis o dia. A mãe do índio grita mais ainda e eis que a lua começa. Do lado do sol, a mãe do cowboy enche-se de esgrimas e reza com grinaldas nas orelhas entre veredas finas. O amor da mãe pelo filho é uma luta entre o sol e a lua, com estepes ao fundo onde esquecemos tudo o que passamos a vida a perder.



In O pequeno-almoço de Carla Bruni, Ayuntamiento de Punta Umbría / Livrododia, 2008 – colección Palabra Ibérica. Recolhido do blog Poesia distribuída na rua., de Rui Almeida (http://ruialme.blogspot.pt/2012/02/rui-costa-breve-esta-manha-comecei.html). 

Nessun commento:

Posta un commento